29 janeiro 2014

Banda Paralamas do Sucesso

A história de uma grande banda costuma ter o espírito de sua própria época. Ao mesmo tempo em que torna palpável algo que parecia estar no ar, também nos ajuda a ter mais clareza do que estava escondido nas entrelinhas do cotidiano. Se os meninos que começaram a fazer rock no Brasil na década de 80 tiveram o mérito de ser reconhecidos como uma geração relevante da música brasileira, os Paralamas do Sucesso têm um crédito nisso aí.




Põe na conta deles, por exemplo, a generosidade de apresentar as “bandas dos amigos” seja em entrevistas, em covers nos shows, ou em qualquer oportunidade que houvesse. Da primeira entrevista na Rádio Fluminense até o palco do Rock In Rio, de anônimos eles passaram a promessa. Vital e sua moto se transformou em um dos primeiros hits daquela geração e lhes rendeu o convite para gravar um disco profissional, como faziam as bandas que eles adoravam. A mudança de conceito não mudou o espírito e a generosidade. Carregando a reboque sua turma, foram os primeiros a gravar uma música de Renato Russo e fizeram Brasília entrar no circuito até então dominado por cariocas, ajudando a redefinir fronteiras.

Aliás, falando em Rock In Rio, também está na conta deles boa parte do sucesso das bandas nacionais naquele evento que foi a primeira grande experiência do show business brasileiro. Dali pra frente, os palcos melhoraram, as turnês cresceram, as rádios deram espaço e a TV se abriu a toda uma nova cultura jovem forte e representativa que emergia. Aquele grupo de artistas relevantes era a prova disso. Havia um novo país nascendo e a trilha sonora era a dessa rapaziada. Depois do bom lançamento de “Cinema Mudo”, da série de hits e sucessos que vieram a reboque de “O Passo do Lui” e da apresentação histórica no Rock In Rio, veio “Selvagem?”. E aí, a conta cresceu muito.

Põe aí a primeira realização concreta de um álbum brasileiro pop em que as referências anglo-americanas do rock eram fundidas com sonoridades locais e latinas – sobretudo as jamaicanas. Ali os Paralamas colocavam os primeiros tijolos daquilo que seria melhor compreendido e bem sucedido apenas na década seguinte. Nessa busca, eles ainda encontraram uma forma de ser mais populares, de fazer o rock nacional ir além da classe média e, ao mesmo tempo, de torná-lo música de exportação. Turnês pela América Latina e pelos Estados Unidos fizeram dOs Paralamas a primeira banda brasileira reconhecida internacionalmente. E nessa eles foram parar no tradicionalíssimo Festival de Montreux. Dessa apresentação, tiraram o disco “D”.

A nossa conta com eles já estava ficando cara, quando veio “Bora-Bora”. Ali eles resolveram mudar ainda mais a linguagem pop brasileira, oficializando o naipe de metais como parte tão vital quanto guitarra, baixo e bateria. Além disso, radicalizaram de vez na fusão com sons afro-caribenhos. Os arranjos mudaram, as dinâmicas de palco também e, de quebra, eles ainda nos ofereciam sua primeira leva de canções indefectíveis quando o assunto era dor-de-cotovelo, ressentimento e mágoas de amor. Os cacos de um coração estilhaçado afiavam a pena de Herbert e o tornavam um compositor ainda maior. “Big Bang” veio na sequência para tentar explodir o que havia em volta. Herbert seguia remoendo dores amorosas e ainda aproveitava para cantar o jeito brasileiro – não necessariamente o jeitinho – de sobreviver em tempos desleais. A hiperinflação, as primeiras desconfianças sobre o regime democrático e a coletiva falta de rumo asfixiavam aquela geração que, anos antes, cantava a esperança no futuro. Mais uma vez, eles eram a voz dos seus contemporâneos. E vai pondo na conta, vai pondo…

Virada aquela década, a desilusão chegou ao talo em “Os grãos”. O país – apesar de collorido - estava sem cor, como a capa do disco. Depois de seis álbuns lançados em oito anos de carreira, viria a ânsia de se renovar e se expor ao risco, como fizeram Beatles, Stones, Beach Boys e todas as outras bandas que se tornaram maiores que a vida. Programações eletrônicas e samplers poderiam soar quase ofensivas quando a banda envolvida tinha Herbert, Bi e Barone. Mas os limites precisavam ser testados. Sobre o fio da navalha que se anda nessas horas, eles atravessaram a primeira metade da década. A nossa dívida com eles já era grande, mas ainda assim, ninguém aliviava. No aperto, foram nossos hermanos argentinos que bancaram as contas naquele momento. O clima de recessão, que só se encerraria com o Plano Real, definitivamente não parecia combinar com aqueles riscos todos, mas eles bancaram. As baixas vendas de “Os Grãos” e os questionamentos da imprensa nacional não os fizeram aliviar. Na sequência, nos deram “Severino”, ainda mais duro, seco, abstrato e direto. Novos experimentos eletrônicos. Rock cru. A Argentina tinha abraçado os caras e, como resposta a nós mesmos, eles apontavam para um certo sertanismo. Tom Zé e Brian May. Poucos quiseram ouvir o disco, mas os shows sempre lotavam.

Foi da força vital de tocar ao vivo que os Paralamas se reconstruíram. Quando o Brasil começava a abrir espaço para novos grupos, de uma nova geração, lançaram um disco ao vivo (“Vamo Batê Lata”) que reafirmava a força de toda uma obra. Quase um milhão de discos vendidos depois, eles estavam de volta para capitanear a nau renovada do rock nacional. E o fizeram com propriedade. Inseriram no repertório dos shows as canções de Raimundos e Chico Science & Nação Zumbi, tocaram com o Skank, chamaram o Pato Fu para abrir shows e ajudaram a consolidar os novos ares da música pop brasileira. Põe mais essa na conta. Como eles não se contentariam em olhar apenas para trás, lançaram junto um EP de quatro faixas novas. Meteram o dedo na cara do congresso e retornaram às paradas de rádio e MTV com Uma brasileira. Balada, sim, mas dançante, classuda, com naipes e teclados quentes. Moldava-se ali uma nova sonoridade pop que seria consagrada em “9 Luas” e “Hey Na Na” e que seria definitiva na assinatura musical dos caras.

Quando o formato acústico já começava a dar sinais de fadiga, os lançamentos de discos ao vivo deixavam de ser novidade, as coletâneas tomavam conta de uma indústria fonográfica à beira do precipício, eles resolveram encarar o convite da MTV para deseletrificar o show. No “Acústico MTV”, os Paralamas jogaram os já famosos naipes de cordas e demais floreios orquestrais, consagrados pelo formato, pra escanteio. Esnobando a “receita do sucesso”, eles optaram por manter a mesma formação musical e se dedicaram, de fato, a descobrir uma nova forma de tocar e soar. O único acréscimo foi trazer Dado Villa-Lobos, mais um guitarrista, mas para tocar violão. Não bastasse isso, eles deixaram os hits de lado e optaram por uma porção de lados-b. Ah, e em vez de teatros centenários, dá-lhe gravar num parque. Mais uma vez eles reescreviam a história do rock brasileiro. Já anotou mais essa aí na conta?
Passado o sucesso do acústico, todos diziam com naturalidade, que era hora de recomeçar, se reinventar outra vez. O problema é que ninguém imaginava que ali, essa vocação viraria sentença.

Foi um longo caminho até a volta ao estúdio em 2002. A perda de Lucy, do movimento das pernas e de parte da memória, obrigou Herbert e todos ao redor a redimensionarem gestos que, antes, pareciam banais. As histórias de como a amizade de Bi e Barone e dos estímulos a memória pela música e pelo afeto foram fundamentais à sua recuperação são emocionantes. A desgastada expressão “lição de vida” soa inevitável diante da volta desses caras às nossas próprias vidas. À nossa turma. Nessa hora, a conta com esses sujeitos fica impagável.

“Longo Caminho”, o primeiro álbum pós-acidente, mostrou onde a banda estava antes da pausa forçada. Uma turnê visceral e intensa em emoções cortou o país para comemorar o reencontro com a vida. Cercados de amigos, no palco e na plateia, nos deram o CD e DVD “Uns dias”. Sem parar, emendaram no álbum “Hoje”, que comprovou que a capacidade criativa dos três permanecia intacta e pulsante. Em seguida, mais festa. O sucesso da celebração de 25 anos de carreira, em um projeto conjunto com os camaradas dos Titãs, foi um atestado de sanidade de toda aquela geração que, no início da década de 80, fez o novo acontecer e, a partir dali, escreveu a própria história…

Mas depois da festa, a labuta se apresentou novamente. E sem essa de acordar de ressaca. A tal história continuou em passos quentes e rápidos. Com “Brasil Afora” os Paralamas vêm fazendo uma das maiores turnês de sua história. O show que ganhou prêmios como o VMB 2010 da MTV, foi convidado pelo Multishow para ser registrado ao vivo, gerando um novo programa pro canal e um DVD pra discografia. Zé Ramalho e Pitty entraram na roda dos amigos que a banda traz pra perto.

2013 já aponta no horizonte e com eles a estranha marca de 30 anos de uma banda que começou aos 20 e poucos de quem só queria sonhar em tocar naquele tal palco do Circo Voador. Então, sigamos sonhando e indo adiante. A essa altura, qualquer um já desistiu de pagar a tal conta com os caras. E já que eles não estão cobrando mesmo, segura, passa a régua e pede mais uma.

Fonte: BiografiaUol